segunda-feira, 22 de setembro de 2008

bandagens (para dani lima e barrão) 2008



fotos: vicente de mello e mauro kuri


Bandagens foi feita dentro da proposta da exposição Travessias Cariocas, meu olhar sobre o trabalho do Barrão, pensando que além da idéia de colagem e fragmentação é importante no trabalho dele esse novo todo que ele reconstrói.
Mas nesse atravessamento também passa pela experiência que tive com a Dani Lima, até o nome do espetáculo - Falam as partes do todo? remete a esse processo. Me lembrei nas conversas com a Silvia Soter que acompanhou os ensaios, da idéia de que no final do espetáculo questões do meu trabalho passaram para o corpo dos bailarinos, os objetos se encontravam empilhados num canto, mas o estrelaçamento, os espaços entre, continuavam ali, com a Vivian Miller caminhando sem pisar no chão, sobre os corpos, por entre os espaços entre os corpos dos demais bailarinos. E o espetáculo terminava com a reação, cada dia diferente, do público e de um espectador que recebia a bailarina no seu colo.
Quando falei com a Dani sobre o projeto para as travessias e ela convidou vários bailarinos. Demoramos a achar gente interessada em participar do projeto, ficou meio em cima da hora e para minha supresa aqueles que aceitaram, além da Mônica Burity, que foi da Cia Dani Lima, Allyson Mendes, Calixto Neto, Jeane Lima, Luana Bezerra e Volmir Cordeiro são da Companhia de Danças Lia Rodrigues. Mais uma vez os atravessamentos, desta vez da Dani com Lia. Nisso eu também volto às minhas referências mais próximas - o Tunga que fragmenta os corpos e que também trabalhou com a Lia, à escultura, a fragmentação, construção e o participante - e vem toda a história da arte na cabeça ao mexer com esses corpos como imagens.
Também não tem como se descolar das referências que os outros carregam nos seus olhares.
A imagem foi reproduzida próxima à uma escala 1:1, isso volta ao meu trabalho, ao da Dani e a relação com o visitante da exposição. Mas quando aparece em reproduções, numa escala menor, se aproxima ainda mais dos trabalhos do Barrão - na situação virtual então - o dado visual predomina.
Foi fotografada pelo Vicente de Mello com a assistência do Rafael Adorjan.

aparelho de chá (para barrão) 2008


O aparelho de chá tem uma relação com as xicaras encadeadas pelas asas do Barrão e também com as cuias do La Belle Jardinière, baldes e bacias que venho fazendo desde 1998.
Foram usados utilitários feitos em formas e cortados furos por onde podem entrar dedos ou braços além daqueles que servem de máscaras e lembram um crânio - os buracos onde se encaixam os olhos. A idéia é que eles são entrelaçados pelas asas e furos.
Não dá para deixar e comentar que esteve presente durante todo o processo de construção desses trabalhos a lembrança da convivência com a minha tia Solange Nazareth e sua mãe Lalu que dava nome à cerâmica. Sola me levava de vez em quando para lá onde eu podia observar o pessoal trabalhando ou ficar numa mesa esculpindo o barro que depois era queimado no forno. Todas as tigelas de casa vinham de lá assim como a intimidade que eu tenho com o material, design e a produção de utilitários em cerâmica.
O trabalho foi produzido no atelier Barro Blanco que faz os pratos leiloados pelo Museu Lasar Segall.

avessos > paço imperial

domingo 21/09/2008 > último dia no paço

domingo, 21 de setembro de 2008

sábado, 30 de agosto de 2008

avessos > morro da conceição > casas


cortes 2004-07












cortes
tatiana grinberg

silenciosos e afiados, camuflam-se refletindo o ambiente - e assim também o englobam. requisitam quem se aproxima. 

o espaço é cortado por um plano - movimento, olhar interrompido, bloqueio retrovisor. observação: o plano tem incisões e o olhar também pode passar, atravessar o bloqueio que o reflete. diminuida ainda a distância, o corpo é parado, extremidades cruzam a superfície pelas perfurações, fragmentam-se. a visão através é obstruída, preenchida, e as partes se duplicam, soltas, sobre cada lado refletidas. 

corte que talha superfícies, plano ferido, punção que vê. corte em pedaços, plano que cega, furo que dobra.

cuts

silent and sharp, disguise themselves reflecting the ambient - camouflage enclosing its surroundings. they require those who come near.

space is cut by a plane - movement, sight is interrupted, rear-view blind. observation: the plane has incisions and sight can traverses, crossing the blockage that reflects it. still shortened the distance, the body is stopped, extremities crosses the surface through perforations, fragmented. vision through is obstructed, filled, and sections are duplicated, detached, on each side reflexed. 

cut that chops the surfaces, wounded plan, puncture that sees. cut into pieces, blinding plane, doubling hole.

coluna 2005


cubos casados 2005


peles (tear) 2004-05


peles (tear)
pelo, pele, ninho de linhas atados por nós. desperta, levanta o chão, veste o espaço em branco de cor. apelo à superfície, apego à pele, afago sem voz. envolve o cobertor, tapete pelado, colchão de rancor. pode manchar o ambiente, derramar o avesso, despir a dor. descola aberta, passagem entre tato e visita. porta afiada - expele o corpo.

skins (tear)
fur, skin, nest of lines tied by knots. awaken, stands up the floor, blank space embelish with color. appeal to the surface, attachment to the skin, matress of hatred. can wash the ambience, spill inside out, strip pain. unfastened open, passage between touch and call. sharpen door - expells the body.


peles (corpo) 2004-05



Pele como marca de espaçamento
Viviane Matesco

Uma massa corpórea com uma imensa fresta domina nosso olhar. Presa ao teto por seus próprios fios, a superfície de quase 6metros aproxima-se da tonalidade da pele também sugerida pela textura do carpete. Quando a vemos no verso afirma uma carnalidade próxima a de uma mucosa e a parte fendida, correspondente ao recorte da fresta, pende qual um falo a evocar um encaixe positivo e negativo, macho e fêmea. Podemos pensar no Objet-Dart e na Feullle de Vigne Femelle ambos de Duchamp e ainda na frase de Galeno de Pérgamo ‘Vire a vagina para o lado de fora ou vire para dentro e dobre o pênis ; você encontrará a mesma estrutura em ambos, sob todos os aspectos’. A afirmação atesta a crença grega em um único sexo, um continuum corporal com dois pólos que supunha a reversibilidade dos órgãos na genitália masculina e feminina(1). Acoplar partes do corpo como desenhos dobrados relaciona-se à impressão, a processos de gravura como a construção de matrizes, de moldes, de repetição e sobreposição, todos importantes na trajetória e maneira de pensar de Tatiana Grinberg. As marcas, a procura de um espaço ou objeto que signifique a memória de vivências é a questão central em sua investigação plástica. Em trabalhos anteriores moldou mãos em silicone ou ainda o ato de tapar os ouvidos, um espaço ‘entre’, um molde de uma experiência corporal. A idéia do molde e da impressão refere-se tanto à proximidade, quanto à ausência. São índices que permitem enxergar algo presente, mas cujo significado é expresso por uma falta tal qual as pistas nos romances policiais e os sintomas na psicanálise.

A fronteira entre o molde e o que é moldado, entre o positivo e negativo, é a pele. È superfície que permite a visibilidade de algo que está além da visão. A pele varia, discreta, contínua, mal costurada, eriçada, atapetada, historiada, tatuada, nos diz Michel Serres (2). Somos revestidos dessa cera mole onde se reflete um pouco o universo, onde o tempo traça sua passagem, banco de nossas impressões. O mundo é impresso sobre esta roupa de cera que nos oferece um habitat íntimo. Ela se abre para os sentidos e se fecha para o sentido interno, mas continua um pouco aberta.

Um segundo trabalho também realizado no mesmo material e tonalidade apresenta cavidades no formato de partes do corpo, como dedos e mãos, que convidam o espectador à experimentação e ao reconhecimento sensorial dessas mesmas partes moldadas em porcelana. Aqui há um deslocamento, uma suspensão dos sentidos que naturalmente se dão misturados, o que nos permitir usar uma faculdade que evoca outra. O tapete sugere caricia, torna presente um sujeito ativo que toca. O jogo de texturas das superfícies do carpete e da porcelana solicita a relação entre os sentidos ótico e táctil. O sentido espacial aqui é mediado pelo corpo: como o invisível de topologia povoa e ilumina o visível da experiência, na riqueza da sensação táctil(3) parece que toco um abstrato novo. Construído através da relação entre percepção, objetos e ambiente, esse fluxo cria situações de reconhecimento e estranhamento que ora potencializam ou anestesiam os sentidos (4). Isso revela a preocupação dos trabalhos de Tatiana Grinberg em requisitar a propriocepção, um sentido interno que você tem do próprio corpo. Os proprioceptores relacionam-se não a uma única sensação, mas um conjunto delas, como sensação de movimento, de força muscular, de contração e ainda aquelas relacionadas à imagem do corpo. É esse sentimento difuso resultante de sensações internas que envolvem vários sentidos que permite o modelo e imagem que você tem si.

Múltiplos e espalhados, os sentidos nunca atingem a unicidade nem a identidade. Os cinco sentidos se entrelaçam, se amarram, sobre e sob a tela que formam. Referindo-se a constante invocação da carne nos textos sobre a pintura Didi-Huberman (5) analisa o sentido do termo “Incarnat” que designaria o dentro, o informe do interior do corpo, ao mesmo tempo em que a superfície, uma pele. Esta tem tanto um sentido de limite, de separação como também de um intervalo que manifesta o sujeito através de seu colorido. Nosso invólucro estremece, exprime, respira, escuta, ama, recebe, recusa, eriça-se, ruboriza (6). Os órgãos irrigam toda a pele de desejo, de escuta, de vista ou de odor. Ela generaliza a carícia amorosa em emoção, divulga sutilmente o desejo, dilui a escuta ou o olhar. O “Incarnat” seria esse ato de passagem, a oscilação entre superfície e profundidade, uma trança temporalizada entre o branco e o sangue. Lugar de diálogo com as coisas e com os outros, nossa pele é esse entre, define uma marca e é marcada pelo mundo: vemos pela superfície, mas através de um olhar mais profundo.

Rio de Janeiro, maio de 2005

1 TURCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros, Lisboa: Veja, 1999, p. 38 e SENNETT, Richard. Carne e Pedra – o corpo e a cidade na civilização ocidental, São Paulo: Record, 2003, p. 71.
2 SERRES, Michel. Os Cinco Sentidos, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p.71
3 Ibid , p.20
4 BASBAUM, Ricardo. “Políticas da percepção” In: Novas Direções, Rio de Janeiro: Itáu Cultural/MAM, 2001
5 DIDI-HUBERMAN, Georges. La Peinture Incarnee, Paris: Minuit, 1985, p.22
6 SERRES, Michel. Op.cit, p.66 e 67



The skin as a spacing mark
Viviane Matesco

A corporeal mass with a huge slit dominates our gaze. Attached to the ceiling by its own threads, its nearly 6-meter surface detaches itself from the architecture like a skin – something which is also suggested by the color tone and texture of the carpet. When we see it from the backside, it manifests a carnality that is akin to a mucous membrane, and the cleaved part which corresponds to the slit cutout hangs like a phallus evoking a positive/negative, male/female interlocking joint. It brings to mind Duchamp’s Objet-Dart and Feuille de Vigne Femelle, and also Galen of Pergamum: “Turn the vagina inside out or turn it in and fold the penis and, in all aspects, you will find the same structure in both of them”. This assertion attests to the Greek belief in one sole sex, a bipolar corporeal continuum that presupposed the reversibility of the organs of the masculine and feminine genitalia (1). The coupling of body parts as folded drawings is related to printing and to printing processes such as the construction of matrixes and molds, of repetition and superimposition, very important elements in Tatiana Grinberg’s career and way of thinking. Nevertheless, printing here does not have the sense of a fixed scheme; it is much more the movement of printing, the impregnation that marks the surface, like in a process that presupposes an ambiguous spatiality where there is no definite limit between ‘inside’ and ‘outside’. The marks and the search for a space or object to signify the memory of experiences is a pivotal issue for the artist. In earlier works, Tatiana Grinberg molded hands in silicone, closed her ears with her hands – an ‘in-between’ space, a space-in-progress, a mold of a bodily experience. The idea of mold and printing refers not only to nearness but also to absence, indexes that allow for the sight of something that is present but whose meaning is expressed by an absence, like clues in a detective novel and symptoms in psychoanalysis.

The border between the mold and the cast, between the positive and the negative, is the skin, a surface that permits the visibility of something that is beyond eyesight. “The skin varies, discreet, continuous, poorly sewn, bristled, carpeted, historicized, tattooed”, as Michel Serres puts it (2). We are coated with this soft wax overlay where the universe is somewhat reflected, where time traces its passing – our impression bank. The world is imprinted onto this wax garment that offers us an intimate habitat. It opens itself to the senses and closes itself to the internal meaning, but it keeps slightly open as an interval that lets itself be suffused with life experiences.

Another work made with the same material and in the same color tone displays cavities shaped like bodily parts such as fingers and hands that invite the viewer to experimentation and to the sensory recognition of these same parts cast in acrylic. There is a dislocation here, a suspension of the senses that naturally come about blended, which allows us to use one faculty that evokes another. The carpet suggests caressing – it renders present an active subject who touches. The play with the textures of the carpet and acrylic surfaces requests a rapport between the optical and tactile senses. Here, the spatial sense is mediated by the body: as the invisible of topology populates and illuminates the visible of experience, it seems that I am touching a new abstract amidst the richness of the tactile sensation (3). Constructed by the relation perception/objects/ambient, this flow creates situations of recognition and strangeness that potentiate or anesthetize the senses (4). This reveals Tatiana Grinberg’s concern in requesting self-perception, that inner sense that one has of one’s own body. Self-perception is not related to one sole sensation but to a group of them, such as the sensations of movement, muscular strength, contraction and the ones related to the body image. It is this indistinct feeling resulting from internal sensations involving various senses that permits the model and the image that one has of oneself.

Multiple and scattered, the senses never attain oneness or identity. The five senses are intertwined and tied above and below the canvas they form. Didi-Huberman (5), in his essays on painting referring to the constant invocation of the flesh, analyzes the meaning of the term incarnat, which would designate the inside, the formless interior of the body and at the same time the surface, a skin, which holds not only a sense of limit, of separation, but also that of an interval that manifests the subject through its coloring. Our outer sheath quivers, expresses, breathes, hears, loves, receives, refuses, gets bristled, blushes. The organs irrigate the skin with desire, hearing, eyesight, odor. It generalizes the amorous caress into emotion, it subtly propagates desire, it dilutes the hearing and the eyesight (6). The incarnat would be this act of passage, this oscillation between surface and depth, a temporalized braid made with the white and the blood. A place of dialogue with the things and the others, our skin is this in-between; it defines a mark and is marked by the world. We see from the surface, but this border means spacing and it reveals a deeper view.


partition, trap and cuts 2003-04



photos: Tatiana Grinberg


photos: Tom Bauer

photos: Tatiana Grinberg
photo: Tom Bauer